Os livros de Alaíde Lisboa de Oliveira, como O Bonequinho Doce, Ciranda e Cirandinha, marcaram várias gerações. Ainda hoje, escolas usam A Bonequinha Preta, que é influência e dá nome a alguns cantinhos de leitura.
A versão atual do livro possui recortes do arquivo pessoal da autora e de sua autobiografia, Se bem me lembro… Neles, vemos desenhos, cartas e depoimentos de professores, crianças e outros escritores.
As histórias de Alaíde são delicadas, sensíveis e tratam de temas universais, como amizade, obediência, perdão e solidariedade. Ao mesmo tempo, são cheias de movimento e aventura.
Os livros são feitos pensando na identificação dos personagens com crianças em fase de alfabetização. Por isso, o vocabulário é simples, e as frases são curtas.
Entre os livros de Alaíde Lisboa, A Bonequinha Preta é o de maior influência, mas não o único. Suas outras obras literárias, bem como os livros de pedagogia também são muito importantes. Sobre eles, Carlos Drummond de Andrade declarou:
“Alaíde e sua Nova didática estão aqui na mesa deste seu leitor-amigo-admirador, que é capaz de sentir e perceber o que há de inovador e criativo num trabalho como esse, feito de experiência, reflexão e amor à tarefa, com apoio num grande talento.”
O pioneirismo do livro de Alaíde Lisboa de Oliveira
Lançado em 1938, A Bonequinha Preta pode ser considerado um livro precursor. Afinal, ele representa um esforço, mesmo que ainda bem tímido, em direção às discussões raciais.
É só pensar que, apenas um ano antes, em 1937, houve a publicação de Histórias de Tia Nastácia, de Monteiro Lobato. Apesar de abordar temas que eram senso comum naquela época, essa obra é até hoje alvo de controvérsias.
Monteiro Lobato foi um dos primeiros a dar representatividade aos negros por meio de seus personagens. No entanto, isso não serviu para quebrar preconceitos ou estereótipos presentes em obras anteriores.
Assim como Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, a Bonequinha Preta é uma boneca com vida. Porém, agora o brinquedo possui um padrão de beleza que, até então, era ignorado.
O livro de Alaíde Lisboa de Oliveira acentua a beleza da boneca, que é “preta como carvão” e tem os olhos bem redondos. A criança da história é branca e cuida de sua boneca preta como se fosse filha.
Depois de A Bonequinha Preta, uma grande lacuna
Desde A Bonequinha Preta, passaram-se décadas até que o negro fosse bem representado em obras infantis. Somente na década de 1980 houve novamente o lançamento livros com grande relevância nessa questão.
Estamos falando de Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, e O menino marrom, de Ziraldo, ambos de 1986. Assim como no livro de Alaíde Lisboa, esses livros relatam a beleza da cor negra.
Eles ainda fazem referências à tonalidade e ao formato característicos dos olhos de pessoas negras. Além disso, todos eles narraram relações afetuosas entre personagens de cores diferentes.
No caso de Menina bonita do laço de fita, a protagonista é uma garota bonita e esperta. Ela valoriza sua ancestralidade e é elogiada por seus traços de descendência negra.
A cor de sua pele se parece com o “pelo da pantera negra quando pula na chuva” e seus olhos são como um par de azeitonas.
Seu melhor amigo é um coelho branco. O coelho, por sua vez, acha que a menina é a pessoa mais bonita que já viu e quer ter uma filha da cor da personagem que dá nome ao livro.
Já em O menino marrom, a narrativa gira em torno de um menino bonito e inteligente, com traços negros bem definidos. Seus olhos são vivos, grandes e lembram jabuticabas.
Ziraldo já abre o livro falando sobre a beleza da cor negra. O autor compara a pele do menino marrom com chocolate puro, muito mais bonito do que o misturado com leite.
Mesmo assim, o melhor amigo do menino marrom é branco (ou melhor, cor-de-rosa). Os dois fazem várias descobertas juntos, inclusive sobre os vários tons de pele que existem.
A Bonequinha Preta é influência para um livro-homenagem
Em 2005, houve o lançamento de A canção do verdureiro, livro de Maura Maciel. Aqui, a protagonista também tem uma melhor amiga negra. No entanto, a narrativa vai bem além da referência étnico-racial.
A obra é, na verdade, um tributo explícito ao livro de Alaíde Lisboa de Oliveira. Na história, a personagem principal conta que conheceu A Bonequinha Preta quando ainda nem sabia ler.
A protagonista logo se identifica e se apaixona pela história: “Que aventura mais gostosa, que coisa boa de se viver”.
Sua rua também tem gatinhos e cestos de verdura. Assim, ela vive na esperança de que a magia também ocorra em sua vida. Chegando em casa, ela reconta para suas próprias bonecas o que lembra da história.
Daí, a menina encontra no livro uma brincadeira mais interessante do que pique-esconde, queimada ou amarelinha. Na verdade, ela o considera como seu novo melhor amigo.
De tanto ver as palavras no livro, a protagonista começa a associá-las com aquelas que ouviu tantas vezes. Assim, ela aprende a ler com A Bonequinha Preta, assim como várias crianças em todo o Brasil.
O entusiasmo da menina ao se alfabetizar é contagiante. A maior emoção é quando ela ganha o livro de presente: “A coisa mais preciosa que jamais possuíra.”
Mesmo depois de crescer e conhecer outros tantos livros, a personagem ainda guarda e tem um carinho especial por A Bonequinha Preta.
Assim, quando ela se muda e acaba ficando sem o livro, a menina compara o sentimento com o de Mariazinha quando perdeu sua boneca.
Ana Raquel e o fechamento do ciclo de A Bonequinha Preta
Como você viu, A Bonequinha Preta e A canção do verdureiro são dois livros que conversam entre si. Na verdade, a relação é mais próxima do que você imagina, desde o detalhe da presença da icônica flor do livro clássico.
Além disso, A canção do verdureiro foi ilustrado por Ana Raquel, artista responsável pela atualização das imagens da obra homenageada por duas vezes.
Na história, a protagonista, já adulta, ganha de um amigo uma das versões ilustradas por Ana Raquel. Apesar da delicadeza do gesto, ela ainda sente falta do livro da sua infância, com o olhar sapeca da Bonequinha Preta.
Ao ganhar do mesmo amigo a versão original do livro, a protagonista o considera como seu salvador – ou melhor, seu “verdureiro”.
Apesar da decepção que causou à protagonista de A canção do verdureiro, no mundo real, a versão de Ana Raquel fez sucesso e deu vida nova à história.
A ilustradora, por sua vez, conheceu A Bonequinha Preta quando aprendeu a ler. Assim, A canção do verdureiro representa o fechamento de um ciclo, onde a artista se reencontra enquanto leitora e ilustradora.
Mais tarde, Ana Raquel também re-ilustraria O Bonequinho Doce, outro livro de Alaíde Lisboa de Oliveira. Dessa forma, A Bonequinha Preta continua sendo influência para várias obras encantadoras, que você precisa conhecer!