Para comemorar o Dia do Contador de Histórias, o Grupo Editorial Lê promoveu um webinar sobre contos africanos no dia 23 de março. O tema da live foi A oralidade e a diversidade: o papel do griô na cultura leitora afro-brasileira.
Griô é o nome dado a uma pessoa encarregada de preservar e difundir as memórias de uma comunidade. Quem protagonizou a roda de conversa foi Sandra Bittencourt, autora do livro A trapaça da serpente. Confira como foi o encontro.
Como surgiram os contos africanos?
Os contos populares têm um papel importante na preservação de culturas de várias partes da África. Assim como vários elementos do folclore mundial, eles vêm de uma rica tradição oral.
Nas tribos africanas, as histórias eram criadas por e para as pessoas do próprio grupo. Elas serviam para ensinar, transmitir valores culturais e frisar pontos sobre a vida.
Geralmente, os aldeões se reuniam ao final do dia em um ponto de encontro, para ouvir e contar suas histórias.
As histórias refletiam a identidade cultural de uma tribo. Cada uma delas possuía um ritual próprio para contar as histórias. Isso criava uma sensação de orgulho e pertencimento ao grupo.
Assim, quem era de fora e ouvia as histórias de determinado grupo étnico tinha uma visão dos pontos de vista e costumes daquela comunidade. Para quem era de dentro, ficava mais fácil assimilar as particularidades do próprio grupo.
Elementos comuns nos contos africanos
Os contos populares africanos fazem parte de uma cultura que envolve crianças e adultos, usando história, fábula e ilustrações vibrantes.
Um ponto forte em vários enredos é que a boa vontade deve prevalecer sobre o mal. Claro, eles também são uma forma de orientar crianças, pelo entretenimento, sobre o ambiente material e social.
Por isso, muitas histórias se passam em um mundo fantástico e com personagens não humanos. Muitos protagonistas são animais falantes, enquanto fatores nada naturais acontecem a seres humanos.
Os contadores possuem comandos próprios. Por exemplo, “Ugai Itha” chama a atenção do público para começar a história. “Rukirika” sinaliza o fim.
Quase sempre, as cenas envolvem dois personagens por vez, para não sobrecarregar o público. Alem disso, são utilizados muitos recursos de narrativa.
Os tambores emulam o som de vários animais. Durante o clímax, a história costuma ser narrada na forma de canção. A repetição e a deixa para respostas são outras formas de envolver o público.
Qual a importância dos animais nos contos africanos?
As histórias com animais costumam ter o intuito de entreter, embora tragam ensinamentos morais e de sobrevivência.
Nelas, os animais falam e cada espécie tem virtudes e defeitos humanos, como ganância, ciúme e solidão. Na verdade, os personagens podem ser animais, humanos ou uma combinação dos dois.
Em um conto famoso, um lagarto leva a mensagem da morte para a humanidade. Em outro, uma hiena corta a corda que liga o céu e a terra.
Por outro lado, alguns animais têm a função de ajudar os humanos. Por exemplo, há povos que contam a história de que um louva-a-deus lhes deu palavras e fogo. Outros dizem que um antílope lhes ensinou a agricultura.
As características de cada espécie se repetem em várias histórias. Isso dispensa a introdução sobre o caráter dos personagens, além de facilitar a identificação com o público.
Assim, os pássaros quase sempre são mensageiros. A lebre é trapaceira e astuta. A hiena, por sua vez, é frequentemente enganada pela lebre. Quanto aos ogros, são monstros cruéis e gananciosos.
As histórias sobre trapaças costumam descrever como criaturas indefesas são capazes de superar e enganar animais ferozes. Dessa forma, elas fazem justiça.
Temas dos contos populares africanos
Entre os conceitos difundidos nos contos africanos estão o amor, o casamento e a morte, além dos desejos e medos humanos. De um modo geral, eles se enquadram em uma ou algumas das categorias abaixo.
1. Contos de trapaça
Esse é um dos tipos mais comuns de contos africanos, que possuem comentários sérios sobre as desigualdades da existência. É a categoria em que podemos enquadrar A trapaça da serpente, de Sandra Bittencourt.
Os trapaceiros são personagens amorais e espertos, que usam a inteligência para atingir seus objetivos. Até certo ponto da história, eles têm sucesso, com base no engano e no aproveitamento das fraquezas dos demais.
Alguns deles falam várias línguas e têm o poder de remover obstáculos e oferecer oportunidades.
Entre os escravos, esse tipo de história continha uma abordagem sutil e indireta. Afinal, eles não podiam arriscar um ataque direto aos brancos.
Nem sempre esses contos contam com personagens trapaceiros. Em alguns casos, a prática de trapaça é um tema que permeia a narrativa.
2. Contos de fantasmas e espíritos
Essas são histórias sobre assombrações, ou seja, seres sobrenaturais que assustam e fazem visitas frequentes às pessoas. Para tornar a narrativa mais assustadora, a história quase sempre se passa à noite.
Muitos povos contam histórias sobre espíritos trapaceiros e errantes. Esses espíritos estão associados às mudanças e brigas. Algumas vezes, o enredo é uma alegoria para retratar adversidades sofridas no mundo real.
Em alguns contos, o espírito é um mensageiro entre o deus supremo e o mundo terreno. Assim, nenhuma comunicação com os deuses pode existir sem antes consultá-lo.
3. Contos de escravidão
Os contos populares africanos sobreviveram entre os escravos que vivam na Europa e nas Américas.
Os senhores proibiam esses escravos de se expressar ou manter seus costumes. Assim, os escravos recontavam as histórias entre si, como uma forma de conservar a cultura viva.
Com o tempo, os elementos africanos foram se misturando, influenciando e sendo influenciados pela cultura desses locais.
Embora atualmente a escravidão seja um assunto que obrigatoriamente passa pela questão racial, nem sempre foi assim. Algumas histórias, por exemplo, são contadas do ponto de vista de um escravo que foi liberto.
Assim, ele contava sobre suas lutas, sentimentos e outros desafios, sem qualquer menção sobre raça. Dessa forma, essas histórias serviam para valorizar heróis populares.
4. Contos com lições de vida
Os contos africanos são uma forma de transmitir de geração em geração lições sobre cultura, tradições e deveres. Entre os temas abordados estão ganância, honestidade, confiança, traição e lealdade.
As histórias quase sempre são transmitidas oralmente em reuniões de grupos de crianças, para prepará-las para o futuro.
Para tornar essas histórias mais atraentes, usa-se um enredo com uma variedade de animais com características humanas, além do canto e da dança.
5. Contos cômicos e comoventes
Essas histórias estimulam a imaginação do público. Elas também alertam sobre os eventuais perigos e mostram as possibilidades.
Geralmente, esse tipo de contos aborda conflitos e o avanço de certas culturas, além do seu entrelaçamento com outros povos. Os personagens costumam ser heróis, heroínas, vilões e tolos.
Alguns contos são mais sérios e explicam a vida cotidiana e as lutas da comunidade. Neles, são comuns temas como fome, fuga da morte, namoro e questões familiares.
6. Contos de origem
Esse tipo de história costuma girar em torno de começos e transformações de personagens, eventos e até mesmo a criação do mundo.
Elas podem explicar a essência de alguns seres e elementos da natureza. Além disso, esses contos buscam encontrar o motivo de certas características físicas marcantes em animais e plantas.
Embora as histórias tenham nascido em várias partes da África, elas são perfeitas para compartilhar com crianças do mundo inteiro. Isso inclui as brasileiras.
Isso contribui para que o fio não se rompa e as histórias não sejam esquecidas. Pelo contrário, elas estão sempre unindo as pessoas e se expandindo. Por isso, conheça livros como A trapaça da serpente, Contos de Olofi e Gente vestida de noite.
muito bom esta explicação faz as crianças entenderem tudo direitinho.
Nossa, isso é ótimo! Ainda mais quando se trata de um assunto tão necessário, não é mesmo?