Em 1927, um dos principais nomes do modernismo fez uma incursão pelas águas da Amazônia. As viagens de Mário de Andrade permitiram que o escritor visse de perto um Brasil que quase ninguém conhecia.
Mário de Andrade fez muito em vida: prosador, poeta, musicólogo, historiador, crítico de arte… Como etnógrafo, foi um dos maiores estudiosos e intérpretes da cultura popular brasileira.
Na verdade, foi um dos principais defensores do nosso patrimônio material e imaterial. Para ele, a identidade brasileira ia além da cultura erudita e devia levar em conta a contribuição dos grupos sociais marginalizados.
Ele reconheceu a forma como as classes dominantes desvalorizaram as culturas dos ribeirinhos, seringueiros e indígenas. Assim, as viagens de Mário de Andrade contribuíram para a concepção de brasilidade que temos hoje.
Antes das viagens de Mário de Andrade à Amazônia
Escritor urbano e paulista, inicialmente, sua intenção era mais escrever um livro modernista do que fazer uma viagem. Com os cartões postais enviados pelos amigos, ele tinha o mundo em sua casa: “Não fui feito pra viajar, bolas.”
O que ele mais queria era a segurança e o conforto que seus livros lhe proporcionavam em São Paulo, na sua “casa de Verdade”.
Até então, as viagens mais longas que tinha feito iam até Minas Gerais. Lá, conheceu Aleijadinho e as obras do barroco. Aliás, as viagens de Mário de Andrade a Minas foram a inspiração para o poema Noturno de Belo Horizonte.
Ele dizia que curava suas dores nas estâncias hidrominerais de Araxá (MG) e Águas de Lindóia (SP). Costumava finalizar seus textos se isolando em uma chácara em Araraquara (SP).
Mesmo tendo sido escrito em 1925, Dois poemas acreanos já mostrava qual era a intenção do poeta.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu…
Mário de Andrade, em Dois poemas acreanos
Amazônia como ponto de partida para muito mais
A imersão em novas realidades mudou completamente o escritor. Ele percebeu como os indígenas viam o mundo de forma completamente destoante daquela que conhecia.
As pesquisas que fez tiveram impacto em toda sua produção posterior. Um destaque é Clã do Jabuti, publicado meses depois.
O clássico Macunaíma, por sua vez, estava em fase embrionária antes das expedições. A obra passou por várias versões e teve os rumos e o final da história alterados, claramente influenciados pelas andanças do escritor.
Na verdade, as viagens de Mário de Andrade influenciaram o modernismo como um todo. Afinal, elas ampliaram percepção de todos sobre a identidade brasileira e os fenômenos que fazem parte dela.
Além disso, ajudaram a construir os projetos estéticos e políticos de Mário de Andrade. Mais tarde, como chefe do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, ele organizou a Missão de Pesquisas Folclóricas.
Essa segunda expedição foi de novembro de 1928 a fevereiro de 1929. Nela, documentou diversas manifestações culturais, dessa vez, nos estados do Nordeste: Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Viagens de Mário de Andrade documentadas em O turista aprendiz
As reflexões sobre a identidade brasileira não ficaram só nos poemas e obras de ficção. Muitos relatos de viagem estão em O Turista Aprendiz – Viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia, e por Marajó até dizer chega.
A obra foi publicada pela primeira vez em 1976, ou seja, 31 anos após a morte do escritor. Até hoje, esse é considerado um dos mais importantes relatos em área remotas do Brasil.
Ao ler diversas passagens, é possível partilhar cada visão, sensação, gosto e cheiro que o escritor sentiu. Entre as observações, estavam a cultura material, a música, as variações da língua e a culinária.
Sim, a culinária! Os relatos detalhados sobre os pratos, ingredientes e iguarias foram muito influentes. Até hoje, a gastronomia do Norte brasileiro é reverenciada por chefs de cozinha do Brasil e do mundo.
O turista aprendiz também traz reflexões bem-humoradas. Em várias ocasiões, Mário de Andrade questiona o eurocentrismo presente nos modismos da elite brasileira e sua relação com a cultura nacional cotidiana.
Em algumas passagens anedóticas, ele faz um paralelo e brinca com o “olhar imperial”. Ou seja, o olhar de superioridade presente nos relatos de viagem europeus, geralmente, ligados a projetos civilizatórios imperialistas.
Há ainda muitas fotos registradas com a “codaque”, a câmera que o escritor sempre tinha a tiracolo. Você pode conferir a obra na íntegra aqui.
Conheça o livro Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia
Você conhece o livro Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia – Diário poético de um turista aprendiz? A obra, totalmente ilustrada e direcionada ao público infantojuvenil, é composta por trechos dos relatos de Mário de Andrade.
O responsável pelas ilustrações e pela seleção dos textos foi Fernando A. Pires. Abaixo, confira a entrevista com o autor.
O lançamento será na terça-feira, 18/1, às 19 horas. No botão abaixo, você se inscreve para o encontro on-line, que ocorrerá no Zoom.
O link para o evento será enviado em seu e-mail. Participe e saiba mais sobre como as viagens de Mário de Andrade influenciaram a cultura brasileira. Te espero lá!