O narrador tem o papel de fazer a mediação entre os leitores e a história. Ele dialoga conosco para nos levar àquele universo que está nas páginas. Mas você já se deu conta de que há vários tipos de narrador?
Quem está nos contando a história tem a autonomia de organizar as ações e apresentá-las da maneira que achar melhor. Sua voz permeia todo o enredo, dando emoção e criando expectativas de acordo com a sua conveniência.
Podemos dizer que há, basicamente, dois tipos de narrador: em primeira e em terceira pessoa. Ainda assim, é possível dar mais detalhes à nossa classificação. A seguir, veja o que mais encontramos na literatura.
1. Narrador onisciente
Também conhecido narrador heterodiegético, ele não só é onisciente, mas onipresente. É por isso que sabe de todos os detalhes do enredo, incluindo o que se passa no íntimo de cada personagem, seus pensamentos e emoções.
A história que ele nos apresenta é tida como a verdade. Na maioria das vezes, os personagens e as situações são descritos da forma mais imparcial possível. Assim, podemos classificar esse tipo de narrador como onisciente neutro.
No entanto, em algumas vezes, os fatos são apresentados em meio a observações e opiniões de quem conta. Trata-se de um narrador onisciente intruso. Note que em nenhum dos casos há participação no enredo.
“O drama da professora Odete ocupava por inteiro os seus pensamentos. Alguma coisa precisava ser feita. Estava na cara que aquela acusação absurda contra ela era uma injustiça.”
Trecho do livro Plano de ataque
2. Narrador personagem
Aqui, temos alguém que está inserido na história e se relaciona diretamente com os demais personagens. Seu ponto de vista é subjetivo, e nós somos induzidos a compartilhar da sua versão dos fatos.
Essa versão é permeada por escolhas de como cada informação deve ser contada, receber um foco maior, menor, ou ainda, ser omitida. Por isso, não dá para considerar esse tipo de narrador como imparcial.
A visão unilateral dificulta a nossa perspectiva ampla do enredo. Ainda assim, não temos motivos para questionar esse narrador. Afinal, é dele a única voz a que temos acesso e não há outra para contrapô-la.
“A primeira vez que ouvi falar que o deserto da Amazônia tinha sido uma enorme floresta foi numa aula de História. A professora mostrou imagens antigas, de séculos passados, que a gente mesmo nem pôde acreditar no que estava vendo.”
Trecho do livro Ainda uma flor resta
3. Narrador protagonista
É o personagem principal, também chamado de narrador autodiegético. Ele nos fala das suas próprias experiências e do que acontece ao seu redor. Por meio de suas memórias, somos apresentados a uma espécie de autobiografia.
O diálogo de caráter confessional nos aproxima da leitura. Enquanto compartilhamos da visão particular do narrador, vamos assimilando e compreendendo por que ele fala do jeito que fala.
Além de nos contar sobre o que acontece em seu passado e presente, ele pode fazer projeções para o futuro. Em alguns casos, somos ainda mais envolvidos ao descobrirmos as coisas ao mesmo tempo que o narrador.
“Ainda bem que posso viajar nas notas, quando toco sozinha. Posso viajar também, quando leio. Legal ler: quadrinhos, histórias policiais, aventuras, romances. Entro nas histórias e me transformo em heroína.”
Trecho do livro O mundo de Mariana
4. Narrador testemunha
Esse tipo de narrador, também conhecido como homodiegético, faz parte da história, mas não é o personagem principal. Ainda assim, ele vivencia de perto os acontecimentos e nos dá o seu depoimento a respeito deles.
Podemos até dizer que o que ele faz é nos contar uma história dentro de outra. Ao observar os fatos enquanto coadjuvante, sua visão é privilegiada. No entanto, ela ainda é secundária e cheia de limitações.
Afinal, esse narrador não sabe de todos os detalhes nem adivinha o que acontece longe dele ou o que se passa na cabeça de cada personagem. Há casos em que ele não fala do que acontece, mas o que deduz ter acontecido.
“Fiquei olhando as mãos dele, aninhando o passarinho, e me bateu uma coisa… Acho que, nunca na vida, vi alguém ter tanta delicadeza nas mãos como Seu Rolinha, consolando o filhote.”
Trecho do livro Aninhação
5. Narrador observador
Alguém que apenas faz figuração em uma história, observando tudo de longe, também pode nos oferecer o seu olhar. Aliás, o seu distanciamento do foco da ação pode dar maior objetividade àquilo que diz.
O também chamado narrador câmera tem um nível de conhecimento sobre a história que se equipara ao nosso. Tanto ele como nós observamos os acontecimentos por uma visão externa, incapaz de interferir.
Ele pode se alternar entre momentos de aproximação da história principal e aqueles em que se afasta para contar algo pessoal. Assim, costuma haver uma mistura entre o uso da primeira e da terceira pessoa ao longo da narrativa.
“Olho à frente e vejo adolescentes chorosos, uma família saudosa e sofrida, professores com um ar de ausência nos olhos. Perdeu-se um aluno. Ganhou-se um anjo.”
Trecho do livro Vicente em palavras
6. Narrador não confiável
Alguns tipos de narrador têm sua credibilidade comprometida. Pode ser alguém que está mentindo, omitindo informações, tem um estado de consciência questionável ou que confunde as coisas.
Conseguimos perceber isso por meio das contradições que aparecem no texto. Quem nos conta a história pode falar de coisas impossíveis, que fogem da lógica não só do mundo real, mas do próprio universo daquela narrativa.
Essa forma imprecisa ou incorreta em que a história é revelada nos leva à sensação de que qualquer acontecimento pode ser relatado. Dessa forma, ficamos na expectativa para o momento em que a verdade virá à tona.
“Parece nome de gente. Mas não tinha nenhuma gente na minha pele. Só se fosse bem pequenininha. Levantei um braço e encostei ele bem perto dos meus olhos. Não vi. Devia ser um homenzinho invisível, que cabia dentro de uma gota d’água.”
Trecho do livro Tia Vilma
7. Narrador machadiano
Em obras como Dom Casmurro e Quincas Borba, de Machado de Assis, o narrador nos torna parte do seu discurso. Ele antecipa o nosso pensamento e o questiona. É como se nós também estivéssemos inseridos no enredo.
Quase sempre, estamos falando de alguém que já conhece toda a história. Ele imprime seus próprios valores e opiniões, nos manipulando sobre o que pensar a respeito dos acontecimentos e dos demais personagens.
Vale lembrar que o narrador pode concordar ou não com o senso comum ou com o contexto social de que nós presumidamente fazemos parte. Aliás, nem mesmo o escritor do livro precisa concordar com o que ele diz.
“Eu sou a maior invenção de todas. Sem mim, a maioria das outras não existiria. Incluindo os livros infantis, os quais você tanto ama. Eu posso conectar você ao passado, ao presente e ao futuro. Eu faço você humano.”
Trecho do livro O que nos faz humanos
Esses foram apenas os principais tipos de narrador
E então, você já tinha parado para pensar na existência de tantos tipos de narrador? Claro, há outros além desses e ainda há a mistura de estilos. Para mais conteúdos sobre o universo literário, confira o canal do Grupo Lê no YouTube.